Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico - 23/11/2012
Na saideira do mandato, o ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal, Carlos Ayres Britto, distribuiu apelos pelo aumento salarial da
magistratura.
Ao rebater comparações que colocam os juízes brasileiros no
topo dos mais bem pagos do mundo, o ex-ministro disse que nos Estados Unidos,
por exemplo, carros e computadores custam um terço do que se paga no
Brasil.
Costumeiramente inspirado, Ayres Britto parecia extenuado
da missão. Carros e computadores custam o mesmo para juízes que ditam o teto do
serviço público federal - R$ 26,5 mil - e para o trabalhador médio do país que
ganha R$ 1,7 mil.
O que pareceu um momento de desafinação do regente da
magistratura revelou, na verdade, a música de fundo que tem embalado o
Judiciário ao longo de uma exposição crescente nos últimos anos que culminou com
o mensalão.
A magistratura foi a único dos Poderes a dobrar - em
despesa e quantidade de servidores - sua fatia na folha da União. Apenas o
Ministério Público rivaliza em ascensão .
A trajetória resulta de uma Constituição que expandiu o
acesso do cidadão à Justiça e fez proliferar o número de comarcas e varas
especializadas, além de criar a defensoria pública e fortalecer as
procuradorias.
Essa expansão encontrou freio em 2009 quando a despesa do
Judiciário cresceu 123% em relação a 1995. Naquele ano começaram a chegar ao
Brasil os ventos da crise mundial. O governo Luiz Inácio Lula da Silva já
preparava a transição para Dilma Rousseff que batizaria o PT na era do choque de
gestão com a entrada do Movimento Brasil Competitivo, do empresário Jorge
Gerdau, como consultor dos destinos da nação.
Para expandir os programas sociais do governo a única saída
seria a contenção da despesa de pessoal. Os sindicatos, chamados para a teia de
proteção em torno de Lula no auge do mensalão, teriam que se ver com o pulso da
nova presidente.
No Orçamento de 2010 o aumento foi nulo. No de 2011 também.
No ano passado foi oferecido a todos os Poderes o aumento de 15,8%, escalonado
em três anos. O Judiciário acha pouco e reclama.
O comando da magistratura passou a se ver premido pela
impossibilidade de conceder aumentos aqueles que atraiu para a carreira. Na sua
rodada de despedidas, Ayres Britto foi claro: "A magistratura perde poder de
competitividade. A procura por cargos diminui
preocupantemente".
O Judiciário da era do mensalão vive, portanto, uma disputa
por poder -- pela manutenção das prerrogativas recentemente adquiridas que tanto
contribuíram para a proeminência alcançada com o julgamento que agora se
encerra.
Como toda disputa, esta também exige mobilização política.
Os ministros se fiam na autonomia da magistratura para tentar resolver a parada.
Despacham liminares que intimam o Congresso a apreciar suas propostas salariais.
Como a Comissão de Orçamento não encontra receita para bancar esse aumento,
essas liminares batem lá e voltam.
Nos tempos em que Nelson Jobim ficou à frente do Supremo,
os embates salariais com o Executivo tinham como pano de fundo, evidentemente
nunca esgrimido como tal, a bilionária ação contra o governo no aumento da
Cofins. Quando Jobim assumiu a presidência, a ação tinha a maioria de votos pela
derrota do governo. O ex-ministro avocou a ação para si, sentou em cima e, até
sua aposentadoria, tocou o barco sem acumular grandes derrotas
corporativas.
Os últimos presidentes do STF foram pouco afeitos à
negociação. Ao ler as demandas do ex-presidente em discurso público, um leitor
do valor.com.br resumiu suas impressões: "Parece que o Judiciário tenta
aproveitar a oportunidade de estar sendo reconhecido pelo desempenho normal de
seu papel para pedir aumento de salário desproporcional à realidade dos
trabalhadores brasileiros. Acho que isto não é ético".
Ao fim do mensalão, o Supremo vai-se deparar com pauta
tributária de grande repercussão para o Tesouro. Caberá a Joaquim Barbosa
conduzir essas negociações. A julgar pelo que relatou no mensalão sobre as
ameaças à democracia decorrentes das negociações com o Parlamento, é também de
se esperar dificuldades nesse terreno.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às
sextas-feiras
E-mail - mcristina.fernandes@valor.com.br
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