Correio Braziliense - 14/03/2016
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) significou grande avanço no campo das Finanças Públicas, considerados os respectivos vetores indutores de sua gestação, formulação e aplicação prática, quais sejam: o planejamento, a transparência e a responsabilidade no trato dos recursos públicos.
Em tempos de crise, caracterizada pela recessão da economia e a consequente retração da arrecadação tributária dos entes federados (receita correte líquida), é importante redobrar a vigilância e rechaçar, de pronto, qualquer devaneio açodado ou ímpeto oportunista que venha a pretender relativizar a aplicação de normas nela contidas, de forma a afrouxar os gastos públicos e abrir caminho (que em algumas questões já começa a ser trilhado) de volta a tempos de triste memória.
Mas se assim o é, também não se pode perder de vista a temperança, o bom senso e, de resto, a proporcionalidade quando em causa questão objetiva de contornos próprios que demande compatibilização à luz da interpretação a ser conferida a dispositivos da LRF, relativamente a proibições neles contidas.
Refiro-me, especificamente, à proibição de nomear servidores públicos, caso atingidos, por Estados e Municípios, os limites (prudencial e total) de gastos com pessoal, previstos nos artigos 22 e 23 da Lei Complementar nº 101/2000.
Merece especial atenção a situação de candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no respectivo edital, cujo direito subjetivo à nomeação foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de Recurso Extraordinário (de nº 598.099) com repercussão geral.
Não se desconhece precedente específico do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, em que a colenda Corte Superior adotou o entendimento segundo o qual fica de fato vedada a nomeação por incidência direta da proibição legal.
Mas, a par de referido posicionamento, "data vênia", merecer ainda uma reflexão maior, consideradas, por exemplo, situações de mera substituição ou reposição em cargos vagos já existentes e para cujo provimento havia disponibilidade orçamentária quando da época da homologação do respectivo concurso público, roga-se, aqui, detida reflexão sobre a questão do prazo de validade (sua contagem) do concurso específico de que se trate.
A Constituição Federal estabelece ser ele (o prazo) de no máximo 02 (dois) anos, prorrogável por igual período (art. 37, III, da CF).
Pois bem. E se à época do término do prazo de validade do concurso o Ente Federado estiver proibido de nomear por ter atingido o limite prudencial ou total? Terá o concurso caducado? Os aprovados não serão mais nomeados, ainda que dentro do número de vagas? É assim tão tênue o direito constitucional afirmado pela Suprema Corte? Ou a interpretação correta é a de que as nomeações poderão ser feitas tão logo vencido o obstáculo legal, respeitando-se o prazo de validade que ainda restava quando se constatou o atingimento de um dos limites da LRF?
Essa última ponderação entendemos ser a mais dotada de juridicidade e a que mais concretude confere aos princípios constitucionais envolvidos.
Com efeito, não enxergamos outra forma de dar cumprimento aos princípios da força normativa e da máxima efetividade da Constituição que não considerar que o prazo de validade dos concursos públicos - pelo menos daqueles em que há aprovados dentro do número de vagas ainda não nomeados - fica suspenso enquanto permanecer a situação de "estouro" do limite de gasto com pessoal em proporção da receita corrente líquida.
Até porque, quer-nos parecer que referido prazo de validade deve ser interpretado como o prazo máximo de livre exercício, pela autoridade administrativa, de sua discricionariedade para avaliar o momento conveniente e oportuno para editar o ato de nomeação.
Dessa forma, se a discricionariedade está tolhida pela proibição da LRF, não há que falar em transcurso do prazo de validade do concurso.
Argumenta-se, aqui, com o resguardo do valor da segurança jurídica. Essa mesma segurança que se expressa mediante o prestígio da confiança na orientação estatal e na eliminação de surpresas. Nesse particular, a confiança deriva da certeza da manutenção do "id quod plerumque accidit", sendo certo que "cabe a qualquer ordem jurídica a missão indeclinável de garantir a confiança dos sujeitos, porque ela constitui um pressuposto fundamental de qualquer coexistência ou cooperação pacífica, isto é, da paz jurídica."
Conclui-se, portanto, que uma vez passando a incidir, no curso do prazo de validade de um determinado concurso público, a proibição imposta pela LRF em decorrência da superação do chamado limite prudencial de gastos com pessoal - e mais ainda do limite total - suspende-se o transcurso do referido prazo, voltando o mesmo a correr a partir do momento em que o Ente Federado restabelecer o controle de suas contas, dentro dos parâmetros estabelecidos.
Assim, considerada a situação-problema em análise, essa nos parece ser a melhor solução para compatibilizar, à luz da proporcionalidade, os princípios constitucionais em aparente conflito: de um lado, a segurança jurídica, a moralidade e o princípio do concurso público; e, de outro, o da responsabilidade fiscal.
Artigo: Advogado Evandro Catunda de Clodoaldo Pinto
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