Canal Aberto Brasil - 09/03/2016
Na Administração Pública, o Poder Judiciário exerce função típica de guardar a Constituição Federal, por meio do Supremo Tribunal Federal — STF, julgar e processar litígios. Esse Poder também exerce funções atípicas ou secundárias, como de administração e legislativa. Com isso, no exercício da sua função administrativa, o STF tem enfrentado questão referente ao direito às horas extras para os servidores ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança que tenham jornada especial regulamentada por lei específica.
A questão é discutida no Processo Administrativo nº 353.132, no qual consta que, em 1999, o chefe da Assessoria Jurídica da Diretoria-Geral do STF defendeu a adoção, ao cargo de médico, da carga semanal de 20 horas, e ao de odontólogo, de 30 horas, independentemente de estarem, ou não, os ocupantes investidos em cargos comissionados. Nesse sentido, foi apresentado um requerimento de reconsideração para que haja continuidade à prática administrativa de concessão de horas extras, independentemente de haver exercício de função de confiança ou de cargo em comissão.
O advogado e professor de Direito Jorge Ulisses Jacoby Fernandes explica que, diante do requerimento de reconsideração, o ministro Luiz Fux, membro da Comissão de Regimento Interno da Suprema Corte, ressaltou que existe a necessidade de, em fiel observância ao princípio da proteção da confiança, ocorrer a reforma parcial da decisão recorrida, a fim de apenas aplicar o novo entendimento aos servidores que passaram a ocupar cargos em comissão e funções de confiança após 27 de novembro de 2008.
“Em relação aos que estavam ocupando, de forma ininterrupta, cargo em comissão ou função de confiança em período anterior a 27 de novembro de 2008, deverá prevalecer a orientação contida no parecer 27/1999. Este voto não reconhece o direito ao pagamento de eventual hora-extra em relação a período anterior com apoio na tese de que o servidor teve de trabalhar mais horas do que o necessário, mercê da profunda controvérsia acerca do termo inicial dos efeitos da nova orientação normativa sobre o tema da jornada de trabalho”, ressaltou o ministro em sua decisão.
Interpretação da Lei nº 8.112/1190 – Lei do Servidor Público
Jacoby Fernandes observa que a interpretação sistemática da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, faz com que se conclua que a parcela remuneratória do servidor no cargo de provimento em comissão ou de natureza especial não se refere a trabalho extraordinário. Este deve ser remunerado a partir do que é recebido normalmente pelo servidor, observado o quantitativo referente ao cargo de provimento em comissão como o de natureza especial.
“Na alteração da Lei nº 8.112/1990 promovida pela Lei nº 8.270/1991, dispôs-se que a regência do artigo 19 dela constante não alcança a duração do trabalho fixada em leis especiais. Depreende-se, então, que os servidores protegidos, sob o ângulo da duração do trabalho, por legislação especial, estão sujeitos à jornada normal nela prevista, sendo desinfluente a circunstância de virem a exercer cargo em comissão ou função de confiança, no que estes geram o direito ao aumento remuneratório tendo em conta não a dilatação da jornada, mas o desempenho de atividade de maior responsabilidade”, afirma.
No livro Vade-Mécum de Recursos Humanos, de autoria do professor Jacoby Fernandes, ele destaca que o servidor ocupante de cargo em comissão percebe remuneração adicional pelo maior nível de responsabilidade de suas funções; não há gratificação ou remuneração que exija a prestação de horas ilimitadas. Por outro lado, o denominado regime de dedicação exclusiva não é sinônimo de jornada de trabalho sem limite; significa que o servidor não pode exercer outra função, apenas isso.
“O entendimento de que os ocupantes de cargos de direção, chefia e assessoramento se equiparam, na essência jurídica, aos cargos de gerente da iniciativa privada e podem fixar a jornada e decidir a concessão de horas extras para os outros e não a si próprios é sistematicamente referido para justificar a incompatibilidade com o pagamento de horas extras”, esclarece Jacoby.
O professor explica que esse ponto de vista deve ser revisto, porque o fato de permitir a um servidor impor aos subordinados o dever de realizar horas extras não lhe retira o dever de registrar corretamente a respectiva jornada de trabalho dos subordinados e de si mesmo. “Havendo o registro da jornada, o pagamento é devido. O cumprimento de horas extras deve ser sempre atestado pela autoridade superior, em respeito ao princípio da segregação as funções. Essas conclusões são aplicáveis ao regime estatutário e celetista. A Constituição Federal é a mesma que fundamenta os dois regimes”, afirma.
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